sábado, 19 de julho de 2008

À NOITE NÃO HAVERÁ LUAR


Eles chegavam pela madrugada, depois que já tínhamos deitado e já estávamos dormindo, ficavam chorando pelo pátio, amavam-se por sobre os telhados e gritavam no momento do gozo, como se fossem crianças abandonadas, um grito fino, sustenido, que penetrava em nossa alma e perturbava o nosso sono burguês. não, não era um grito, era um lamento, um lamento profundo que nos fazia lembrar os lamentos dos negros nos cativeiros, dos presos nos porões dos prédios públicos. Os gritos que eram lamentos, nos pareciam urros e gritos de socorro, gritos de liberdade que iam de encontro a lua -eles vinham sempre em noites de luar- e refletiam em nós, censores, como gritos de revolta, subversão. Acendíamos as luzes, jogávamos pedras e eles fugiam para voltar assim que estivéssemos dormindo. À noite passada, eles voltaram com um canto novo. Canto? Grito? Canto-grito? Um grito que mostrou a nossa fraqueza, a nossa pobreza interna, a nossa mesquinhez, a nossa comodidade; e como este novo grito tirou o nosso sono e perturbou o nosso bem estar (tirou o nosso sono porque este novo grito era mais parecido com um lamento de quem está sendo oprimido, de quem esta com fome e com frio, era mais um pedido para que os acolhêssemos que um grito de revolta), abrimos a porta e os assustamos com pedras e sapatos, eles fugiram deixando o nosso sono burguês se transladar para a nossa cama colonial.
Conversamos com os nossos vizinhos pela manha e fizemos planos, planejamos estratégias, táticas e atacamos. à noite, quando eles vieram (dos lamentos que infernizavam as nossas noites estes eram os piores), não faltou nada, disseram que já estavam cansados de serem oprimidos e de terem que passar as noites fora de casa, de sentir frio, de não terem uma boa alimentação, falaram de revolta, rebelião. Esta noite lhes abrimos a porta, a lua estava em um dos seus melhores dias, clareava o nosso jardim. eles eram muitos, alguns passeavam pelo pátio, outros estavam deitados com as suas companheiras, outros andavam pelo telhado olhando a lua, outros apenas olhavam uma estrela cadente. Executamos o nosso plano, lhes servimos um jantar de iguarias recheadas com arsênico, sugestão de um velho vizinho, lhes prometemos liberdades democráticas e voltamos para o nosso sono burguês. Pela manhã, quando acordamos, pudemos contar uns trinta gatos mortos, espalhados pelo telhado e pelo chão. À noite certamente não haverá luar.

Um comentário:

Coisas da Malluh disse...

Netos? São filhos da Inês Helena? Maravilha!!!

Adorei o blog. Farei visitas, viu?

Abraços,

Malluh
11 9 2008