quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

ENTRE DEZ E ONZE HORAS



Ele acordava entre as dez e onze hora da manhã, depois que já tínhamos saído de casa. Ficava vagando pela casa, mudava a disposição dos quadros, ligava a televisão no; último volume, mas não assistia nada - não valia à pena, dizia - revirava as gavetas, rabiscava os papeis e escondia os vestidos de minha mulher, bebia da minha cachaça, arrancava as flores do jardim e as atiravam n água. Remexia em tudo, alterava a nossa vida. Quando chegávamos a casa ele me fazia ficar calado e a responder baixinho as perguntas de minha mulher. Quando estava sozinho ele me fazia sorrir. Algumas vezes ele me ajudava a regar os girassóis e conversava baixinho comigo, para não assustar as flores. Mostrava-me a delicadeza de cada pétala de flor e me fazia ver a metamorfose das borboletas, dizendo que também sabia voar. Um dia quando arávamos a terra para semear girassóis ele me falou de política, me contou da reforma agrária e da repressão ao povo. Ele maltratava mais a minha mulher, a fazia ter muito sono e sempre queixar-se de alguma coisa ao despertar, a fazia acreditar que eu não a amava, e só me deixava convencê-la do contrario quando; íamos para a cama e ficávamos fazendo amor até o sono chegar. Outro dia, quando olhávamos a germinação dos girassóis ele me disse que estava perto do dia de partir, ficamos ali calados - não sei quanto tempo - olhando os girassóis crescerem. Quando resolvi lhe perguntar quem era ele, e de onde ele tinha vindo ele desapareceu, como se fosse uma borboleta subindo ao céu. Até hoje -depois de muito tempo- eu e minha mulher não sabemos quem alterava a nossa vida e colocava o nosso relógio para despertar entre dez e onze horas da manhã.

Um comentário:

Palhaço Nostálgico disse...

ÓTIMO TEXTO!

bem o estilo que almejo...

; ]