segunda-feira, 17 de maio de 2010

Lembranças da Escola

Primeiro dia de aula, mamãe me levou à porta da escola, que era mais ou menos a dois quarteirões da minha casa. Arrumou a gola da minha blusa branca, que fazia parte do uniforme, (ainda me lembro do elogio da professora pela brancura da blusa e da etiqueta pregada no bolso com o nome da escola: “Grupo Escolar Carlos Góis”), Mamãe sorriu para mim olhando-me com o coração e com as mãos firmes me mostrou o caminho que a partir daquele dia eu tinha que seguir.
Tudo era novo! A pasta, a merendeira o material escolar. O caderno de caligrafia, o estojo, o lápis.
Lembro-me bem da primeira professora, Dona Marta, segurando a minha mão para desenhar as primeiras letras. Ensinado o Be a ba.
Lista de material escolar: O caderno “Avante Escoteiro Sempre Alerta”, que tinha o hino nacional na capa, Lápis John Faber, a caixa de lápis de cor, o estojo, a borracha, a caneta Parker 51, as canetas-tinteiro tinham como acompanhantes os mata-borrões e os tinteiros, em formato de losango, com a famosa tinta "azul real lavável da Parker Quink" e suas opções (vermelho verde e o preto).

As Cartilhas onde aprendemos a ler: A dos três porquinhos e a da Lili com o texto assim: Lili! Olhe para mim, eu me chamo Lili, eu comi muito doce, vocês gostam de doce? Vocês gostam de doce de abacaxi?
Lili era muito bonita em seu vestidinho azul com um barrado de tiras bordadas. Com mangas bufantes. Lili tinha os cabelos loiros presos por três laços de fitas.
A segunda lição: Lili em seu piano. Lili toca piano Lili toca assim dó, ré, mi, fá... Suzete é a cachorrinha. “Toca Lili, toca dó ré mi, fá...”.
A cozinheira era outra lição que prendia a atenção da meninada: Olhem a cozinheira! A cozinheira é a Lili. Lili gosta de doce. Ela faz doce de abacaxi. - Joãozinho você quer doce? Você gosta de doce de abacaxi? La estava o Joãozinho na beira do fogão.
Tinha Joãozinho e Totó no seu automóvel.. Eu me chamo Joãozinho.Este automóvel é meu. Meu automóvel faz assim: fon-fom! Totó passeia comigo. Totó é o meu cachorrinho, Você quer passear no meu automóvel, Lili?
Tinha lição das meias de Lili, tão bonitas, estava furada!
As bonecas de Lili: Lalá, Bebê, Clarinha. Lili dizia dome assim nã nâ nã. Eu também vou dormir.
Os amiguinhos de Lili eram o canarinho Lu, a gatinha Pintada, o gatinho Ron-ron. A cachorrinha Suzete, a patinha Tetéia. Joãozinho também tinha seus amiguinhos: Totó, o cachorrinho, O papagaio Dudu, a vaquinha Rosada, o burrinho Mimoso, o galinho cocoricó o pintinho xexéu. Era um livrinho encantador porque todos passeavam no campo, todos os bichos emitiam seus sons, tinha suas comidinhas, suas casinhas. Aprendíamos brincando.
Já que aprendemos a ler, viva a leitura! O nosso primeiro livro que fazia parte do currículo foi “As mais belas histórias” (uma coleção de quatro livros, um para cada ano escolar) de Lucia Casasanta que povoou com poemas, contos, relatos, histórias clássicas, o nosso imaginário literário. O poema a Fonte e a Flor de Vicente de Carvalho nos emocionavam:
"Deixa-me, fonte” – Dizia/ A flor, tonta de terror. /E a fonte, sonora e fria, /Cantava, levando a flor. "Deixa-me, deixa-me, fonte!" /Dizia a flor a chorar: / “Eu fui nascida no monte... /” Não me leves para o mar". /E a fonte, rápida e fria, /Com um sussurro zombador, /Por sobre a areia corria, /Corria levando a flor. / “Ai, balanços do meu galho, /” Balanços do berço meu! /Ai, claras gotas de orvalho /Caídas do azul do céu!” /Chorava a flor, e gemia, /Branca, branca de terror, /E a fonte, sonora e fria /Rolava,levando a flor. / “Adeus, sombra das ramadas, /cantigas do rouxinol! /Ai, festas das madrugadas /Doçuras do pôr do sol! /” Carícias das brisas leves, /Que abrem rasgões de luar... /Fonte, fonte não me leves, /Não me leves para o mar...”.


A história que eu mais gostava:

JOÃO JILÓ
Era uma vez um caçador que saiu para caçar numa sexta-feira da Paixão.
Todo mundo falava com ele assim.
— Não vá hoje, não, João Jiló.
Na sexta-feira da Paixão, a gente não caça.
— Comigo não tem nada disso! — respondeu João Jiló.
E foi.
João Jiló tinha um cachorro feio e magro.
Quando João Jiló chegou ao mato, o cachorro desapareceu.
João Jiló ficou sozinho, sozinho.
João, Jiló andou muito, virou todo o mato e não viu nada, nem um passarinho!
De repente, João Jiló ouviu um assobio fino.
João Jiló foi acompanhando o assobio e viu um galo feio, em cima de uma árvore.
O galo tinha os olhos vermelhos e arregalados.
O galo viu o caçador e falou:
— Ai! João Jiló! Atire devagar, João Jiló, porque dói, dói, dói, João Jiló!
João Jiló atirou e o galo caiu morto.
João Jiló foi embora com o galo para casa.
Ia comê-lo assado.
Chegando a casa, João Jiló começou a depenar o galo.
O galo, então, começou a falar:
— Ai! João Jiló! Depene devagar, João Jiló, porque dói, dói, dói, João Jiló!
João Jiló depenou o galo bem depenadinho e temperou-o, pôs o galo na panela e pôs a panela no forno bem quente.
O galo, então, começou a falar assim:
— Ai! João Jiló! Abra a porta para eu sair, João Jiló, porque dói, dói, dói, João Jiló!
João Jiló não se incomodou. Ficou bem quieto.
De repente, João Jiló começou a ouvir um barulho, vindo do forno:
— zzz! zzzz! zzz! zzz! zzz! zzz! zzzz!
E o galo falou:
— Saia daí, João Jiló! Eu vou fugir, João Jiló, porque dói, dói, dói, João Jiló!
E a porta do forno abriu-se de repente.
O galo saiu voando pela porta da cozinha afora.
Atravessou a horta, atravessou a rua, atravessou a cidade e foi ficar espetado na torre da igreja.
De lá o galo não saiu ainda, para castigo de João Jiló...


Quase sempre e nas datas comemorativas tínhamos o momento cívico em que tínhamos que cantar os hinos, com todos os meninos enfileirados no pátio da escola e um era escolhido para fazer o estiramento da Bandeira do Brasil entre os hinos que cantávamos o que eu mais gostava era o Hino Da Independência Brasileira, que tinha a letra de Evaristo da Veiga e Música de: D. Pedro I. Era assim:
Já podeis, da Pátria filhos,/ Ver contente a mãe gentil;/ Já raiou a liberdade/ No horizonte do Brasil.
Brava gente brasileira!/ Longe vá... temor servil:/ Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil.
Os grilhões que nos forjava/ Da perfídia astuto ardil.../ Houve mão mais poderosa:/ Zombou deles o Brasil./
Brava gente brasileira!/ Longe vá... temor servil:/ Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil.
Não temais ímpias falanges,/ Que apresentam face hostil;/ Vossos peitos, vossos braços/ São muralhas do Brasil.
Brava gente brasileira!/ Longe vá... temor servil:/ Ou ficar a pátria livre/Ou morrer pelo Brasil.
Parabéns, ó brasileiro,/ Já, com garbo varonil,/ Do universo entre as nações/ Resplandece a do Brasil./
Brava gente brasileira!/ Longe vá... temor servil:/ Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil.
Quando saíamos da escola em bando cantávamos a paródia deste hino que era mais ou menos assim: Japonês tem 4 filhos/ Todos 4 aleijados/ Um é cego/ O outro é mudo/ Os outros dois São barrigudos/ 1 é cego/ O outro é mudo/ 1 é cego/ O outro é mudo/ E os outros dois são barrigudos/ Viva os quatro japoneses....

O momento cívico nos remetia aos momentos políticos da época, participávamos dos comícios que havia no nosso bairro. Era uma festa, tinha show com artistas populares e ganhávamos alguns brindes dos candidatos e fazíamos as nossas escolhas, Na campanha do Janio Quadros ganhamos um broche (alfinete de gravata) no formato de uma vassourinha, ele iria varrer a casa. No Rádio ouvíamos o jingle composto por Maugeri Neto: varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!
O seu opositor era o General Lote, o seu broche (alfinete de gravata) era uma espada, e o seu jingle composto por era assim: De leste a oeste, de sul a norte, /Na terra brasileira, É uma bandeira o Marechal Teixeira Lott”.
No Governo de Minas o candidato era o Magalhães Pinto e o seu broche (alfinete de gravata) era um pintinho. Era uma farra participar dos comícios e ganhar os brindes.

sábado, 8 de maio de 2010

DOMINGO

O Domingo tinha pouca brincadeira. Era dia de Missa. A igreja mais próxima era a do Senhor Bom Jesus. Íamos à Missa pela manhã, a missa das crianças, antes da missa havia o catecismo, a família Moisés era responsável pelo catecismo. Tínhamos uma cadernetinha onde era marcada a nossa presença com a catequista colando um santinho no domingo correspondente. Só fazia a primeira comunhão quem não faltasse às aulas e tivesse a caderneta repleta de santinhos, comprovando que não houve falta. Era nas aulas de catecismo que aprendíamos os valores. Os dez Mandamentos, os mandamentos da Igreja, o temor a DEUS e o medo do Inferno, Inferno medieval, que não nos permitia nenhum pecado nem por pensamentos e muito menos por ações.
A missa era rezada em latim, tínhamos o missal que era bilíngüe, em latim e português, assim podíamos entender a missa que era rezada pelo padre Heli de oliveira Mendes, de costa para nós e de frente para o santíssimo.
Aprendemos muito com o padre Heli. Sabíamos de cor (de coração mesmo) O Pai Nosso e a Ave Maria em latim: Pater noster, Qui es in caelis, sanctificetur nomem tuum. Adveniat regnum tuum. Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra.Panen nostrum quotidianum da nobis hodie. Et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostri.Et ne nos inducas in tentationem: sed libera nos a malo. Amen.
Ave, Maria, gratia plena, Dominus tecum; benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Jesus.Sancta María, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
Nas festas religiosas havia as procissões, os homens seguiam de um lado e as mulheres de outro. Filhas de Maria, Congregados de Mariana e Vicentinos. Tinha a banda de música. Na sexta feira da paixão, a procissão com o esquife do Senhor Morto, era seguida com todo o respeito e silêncio. A dor da paixão e morte do senhor tinha cheiro de manjericão.
Mas domingo também era dia de feira na rua garça. Dia de jornal, dia de macarronada com galinha e principalmente dia de CINEMA.
Todo bairro tinha o seu cinema. Freqüentávamos nas tardes de domingo o Capitólio ou o São Cristovão e nos deliciávamos com as matines, com os filmes de Tarzan, os seriados que sempre acabava no melhor momento, nos deixando doidos que chegasse o próximo domingo para vermos a continuação.
“Os perigos de Nyoka” filme de aventuras na selva com Kay Aldridge que sempre termina com ela em uma situação de perigo. E na tela aparecia escrito em ingês “to be continued”
Meu pai era surdo, mas era alfabetizado, então a gente escrevia bilhetes para comunicar com ele. Ele nos levava ao cinema para ver os filmes estrangeiros, por causa do letreiro. Minha mãe morreu sem aprender a ler, com ela a gente só via os filmes nacionais.
Alem dos cinemas de bairro, o São Cristovão, o Capitólio, São Carlos. Havia os do centro da cidade: Brasil, Arte Palácio, Acaiaca, Metrópole, Guarani, Santa Tereza, Odeon... e tantos outros templos e templos da sétima arte e hoje “templos da salvação”.
Tenho saudades do tempo que eu não era órfão.

domingo, 2 de maio de 2010

BRINCADEIRAS

Ao lado da nossa casa havia um campinho (lote vago) onde a criançada jogava futebol. Eu nunca gostei de futebol, talvez porque eu era muito ruim, ninguém me escolhia para jogar no time dele.

Na época dos ventos próximo do mês de agosto, a brincadeira era de soltar papagaio (Pipa). O vento levava os nossos papagaios e sonhos para o ar. A manivela que papai fazia causava inveja nas outras crianças, assim papai fazia manivelas para eles também. Os papagaios eram feitos de um papel tipo seda e quando eles voavam muito longe, voltam manchados porque tinham atravessado nuvens.

Nas noites de verão brincávamos na rua, formávamos uma grande roda e cantávamos alegres até altas horas. Nas brincadeiras de roda, a menina mais bonita sussurrava canções de amor nos meus ouvidos e eu sonhava com ela se entregando nos meus braços e abraços.

Se essa rua/ Se essa rua fosse minha/ Eu mandava/ Eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas/ Com pedrinhas de brilhante/ Só pra ver/ Só pra ver meu amor passar. Nessa rua/ Nessa rua tem um bosque/ Que se chama/ Que se chama solidão/ Dentro dele/ Dentro dele mora um anjo/ Que roubou/ Que roubou meu coração. Se eu roubei/ Se eu roubei teu coração/ Tu roubaste/ Tu roubaste o meu também/ Se eu roubei/ Se eu roubei teu coração/ Foi porque/ Só porque te quero bem.

Em outras noites brincávamos de Rouba Bandeira: Nós dividíamos em dois grupos de igual número. Em cada campo, dividido também em dois, colocávamos duas bandeiras (uma de cada lado), no fundo dos campos. Cada grupo devia tentar roubar a bandeira do lado oposto, sem ser tocado por qualquer jogador daquele lado. Se fosse tocado ficava preso e como uma estátua, colado no lugar. Os adversários poderiam salvá-lo, bastando ir até o campo e tocar o companheiro. O lado que tivesse mais meninos presos conseguia roubar a bandeira. Vencia quem pegasse a bandeira primeiro independente se tiver conseguido colar os adversários.

Bentes Altas: Com uma bola, o jogador tenta derrubar a casinha (um tripé feito de taquara ou galhos de árvore) do outro. Este, com um taco de madeira, tenta bater na bola e atirá-la para longe. Ganhava ponto quem atingisse o objeto, derrubando-o ou defendendo a casinha.

Chicotinho Queimado: Uma criança escondia o chicotinho queimado, geralmente uma correia velha ou qualquer objeto escolhido, enquanto as demais tapam os olhos. Quando a criança que estava escondendo acabava dizia: _ "chicotinho queimado cavalinho dourado! " Depois, todas iam procurar o chicotinho. Se uma criança estivesse mais distante, a que escondeu o chicotinho dizia que ela está fria. Se mais perto, dizia que estava quente. Dizia também que estava esquentando ou esfriando conforme a que estivesse mais próxima se distanciava ou se aproxima do chicotinho queimado. “Estar pelando" é estar muito perto do chicotinho. A criança que achava o chicotinho queimado saia correndo batendo com ele nas demais (no caso da correia velha). E é ela que ia escondê-lo da próxima vez.

Muitas outras brincadeiras faziam parte dos nossos dias: Queimada, Barra Manteiga, Finca, Amarelinha, Bolinha de Gude, Cabra cega, Passa anel, Pular Corda, Pêra, Uva ou Maçã, Boca de Forno, e “Nego fugido pego!”. A gente brincava assim: uma turma ia capturar o nego fugido, mas o cara que era nego fugido ia para o outro bairro! E saía aquela patrulha pra capturar o nego fugido; ou então você era o nego fugido e ia se esconder o mais longe possível, porque se pegavam o nego fugido, era cascudoque não acabava mais, então você não queria ser pego pela turma. Tinha também a brincadeira do pau de bosta, que era maravilhosa! Pau de bosta é o seguinte: você pegava, por exemplo, cocô de cachorro e botava num pedaço de pau. Aí dois companheiros fingiam que estavam brigando. “Eu vou brigar com você!” “Não, que eu vou te dar porrada!” Aquele negócio sério. Aí vinha o bobo, o incauto, chegando. “Você briga comigo daqui a pouco, Porque você está com este pau na mão.” “Não. Eu não vou brigar é agora mesmo. E pedia para o que chegou: Segura para mim!” O incauto segurava para o cara, e o cara puxava... Sujando a mão do bobo, de bosta.