Sempre gostei da intertextualidade.
No curso de letras tive duas professoras de teoria da literatura que me
estimularam neste gostar. Ivete Lara Camargos Walty e Maria Helena Rabelo
campos. Um dos trabalhos feitos por elas foi uma leitura comparativa das histórias
“ Chapeuzinho Vermelho e Chapeuzinho Amarelo” a partir de sua relação
intertextual. Chapeuzinho Amarelo de Chico Buarque e a tradicional Chapeuzinho
Vermelho de Charles Perrault, que depois foi reformulada pelos irmãos Grimm.
Existem muitas teorias
por trás dessa história e versões bem mais adultas para o roteiro do conto
infantil. O escritor francês, Charles Perrault foi o primeiro a mencionar a
história de Chapeuzinho Vermelho, em 1697, fazendo com que a narrativa chegasse
à Europa pela primeira vez.
No ano de 1812, os irmãos
Grimm reformularam a história para que ela ficasse mais adaptável para o mundo
infantil, tirando toda a parte sangrenta da primeira versão, eles deixaram a
história como conhecemos hoje.
Na lenda, a protagonista
adolescente acabou de entrar na vida adulta, por isso a cor de sua capa é
vermelha, remetendo ao sangue de sua primeira menstruação. Nas duas versões,
sua mãe pede várias vezes que a filha não fale com ninguém, algo que a garota
desobedece imediatamente, quando um lobo sugere que a menina pegue um atalho
para levar flores para sua avó. As versões começam a mudar, quando o Lobo chega
à casa da velhinha.
Nas versões originais
transmitidas oralmente pelos camponeses, haviam vários elementos grotescos,
sensuais e até mesmo obscenos que acabaram sendo suprimidos por narradores
posteriores.
Nna história original, o
bicho mata a avó, corta seu corpo, coloca em um prato como jantar e mantém seu
sangue em uma garrafa como um vinho.
Mais sangue e carnificina
em episódios de canibalismo, quando o vilão oferece para a menina a carne que
está em seu prato. Sem questionar, a jovem o faz. Logo após o ato, o Lobo
gargalha da menina informando que ela tinha acabado de cometer um dos maiores
pecados: o canibalismo. Logo após, o animal devora Chapeuzinho. Sem nenhum
caçador para salvá-la dessa vez.
João Guimarães Rosa, o
nosso poeta do sertão, não ficou pra traz e também deu a sua contribuição
recriando a história da nossa Chapeuzinho Vermelho. O seu final é
surpreendente.
FITA VERDE NO CABELO
Nova velha estória de
João Guimarães Rosa
Havia uma aldeia em algum
lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres
que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo,
suficientemente, menos meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de
lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um
cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia.
Fita-Verde partiu, sôbre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha
um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no
atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo
nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo.
Então, ela, mesma, era quem se dizia: –“Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita
verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a
acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente
não vê que não são.
E ela mesma resolveu
escolher tomar êste caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso.
Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em
pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas
borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar
as plebeiínhas flôres, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas
passa. Vinha sobejamente.
Demorou, para dar com a
avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: — “Quem
é?”.
–“Sou eu…” — e Fita-Verde
descansou a voz. — “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde
no cabelo, que a mamãe me mandou”.
Vai, a avó, difícil,
disse: — “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe”.
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama,
rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter
apanhado um ruim defluxo. Dizendo: — “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem
para perto de mim, enquanto é tempo”. Mas agora Fita-Verde se espantava, além
de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo
atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
— “Vovòzinha, que braços
tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”
— “É porque não vou poder
nunca mais te abraçar, minha neta…” — a avó murmurou.
— “Vovòzinha, mas que
lábios, ai, tão roxeados!”
— “É porque não não vou
nunca mais poder te beijar, minha neta…” — a avó suspirou.
— “Vovòzinha, e que olhos
tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?”
— “É porque já não te
estou vendo, nunca mais, minha netinha…” — a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se
assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: — “Vovòzinha, eu
tenho medo do Lobo…”
Mas a avó não estava mais
lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino
corpo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário