segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

COM OS DIAS CONTADOS

Final e início do ano é a época em que sempre, fazemos um balanço de tudo que aconteceu nas nossas vidas. Bom: Este ano não vou me perder na tentativa de classificar as dez coisas que eu mais gostei ou deixei de gostar. Simplesmente vou comentar duas coisas que me emocionaram neste ano (dentre muitas coisa).
O primeiro foi o filme “A partida” (Okuribito) que comentei no princípio do ano. Ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2009 foi um dos melhores filmes com o tema da morte que já assisti. A pessoa morta é tratada com tanto respeito e carinho, que emociona qualquer um que esteja vendo o filme. Eu diria que é um dos melhores ou o melhor filme que eu já vi.
E foi pensando neste filme, que encontrei este artigo da Deia Januzzi em sua coluna Coração de Mãe, no caderno Bem viver do Jornal Estado de Minas.
Ela fala de outro filme, que retrata também a morte: Antes de Partir. Como o seu texto foi a segunda coisa que me emocionou neste princípio de ano e é lindo, vou transcrevê-lo aqui.

Com os dias contados
Depois de assistir três vezes ao filme Antes de partir, com Jack Nicholson e Morgan Freeman, tive vontade de fazer também a minha lista se soubesse estar com os dias contados. No filme, os dois atores dividem o quarto de um hospital, ambos com mais de 70 anos e o diagnóstico de câncer incurável. Eles, então, resolvem viver tudo aquilo que sempre sonharam e não tiveram tempo. A partir da lista de desejos de um deles, os dois partem para concretizar os sonhos.
E você, o que faria antes de partir? Acredito que eu gostaria de fazer coisas simples, banais. Ou como diz Mary em seu novo livro, cujo título é Preciosas coisas banais. Nem pular de paraquedas nem ir ao topo do Himalaia nem vender e gastar tudo para viajar pelo mundo. Não, acho que iria correndo para casa ver o meu filho, dançar sem parar e dizer: "Adoro música. É a música que me faz viver e ter entusiasmo de acordar a cada dia." Então, iria ficar ali com ele dançando, girando, rindo até cair no chão, embriagada pela melhor música brasileira.
Cumpriria algumas promessas, como escrever o prefácio para o livro Velas ardentes, de José Augusto, de Sete Lagoas. Ele pede urgência e conta que gostaria de dar o título Depois do fim para o livro, mas suas filhas protestaram. E eu também. José Augusto tem glaucoma, que o impede de fazer o que mais gosta, ler e escrever, mas eu, José Augusto, começaria já o prefácio assim: "Ele vê mais do que qualquer um pode ver...".
Se, por acaso, estiver num hospital como os dois personagens do filme, já disse e deixei escrito: arranquem-me do hospital, tirem tubos e toda a parafernália tecnológica, porque quero ter o direito de morrer em paz, principalmente se estiver velha. Arranquem-me do hospital, onde não posso estar perto das coisas simples, como o vento no rosto e o afago do sol. Levem-me para Moeda, onde ficarei ouvindo o tambor tocado pela minha amiga da montanha até o último suspiro.
Se precisar, vou convocar o médico José Ricardo de Oliveira, dos cuidados paliativos, para que ele possa olhar por mim enquanto lê um conto de Rubem Alves que diz assim: "Um velhinho querido, de 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama – de repente, um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final. Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a reverência pela vida é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?".
Se pudesse, decretaria o fim dos CTIs para pessoas idosas (ou Centro de Tristezas Indizíveis, como definiu o meu amigo e terapeuta holístico Marco Aurélio Cozzi). Se fosse o último dia da minha vida, faria uma via-sacra nos hospitais e sequestraria todos os velhos que estão entubados e os levaria para passear pela cidade, mesmo que fosse o último ato de minha vida. Roubaria todos os velhos hospitalizados e os levaria para a Praça da Liberdade, onde estão as rosas e as fontes luminosas. No coreto, colocaria uma banda para tocar antigas canções e faria com que eles andassem pela grama com os pés descalços.
Se estivesse perto do fim, voltaria a rezar. Faria uma oração sem dogmas e sem a ortodoxia das igrejas institucionalizadas. Seria uma conversa sagrada, dessas que a gente tem só com o que há de mais elevado em nós mesmos. Nessa conversa com jeito de oração, pediria que o mundo tivesse menos gente e menos carros, que as pessoas se preocupassem mais com as outras, que os jovens tivessem oportunidades e voltassem a sonhar e que as crianças fossem educadas por adultos menos neuróticos e deprimidos.

Faria um hino às mulheres que carregam filhos e sacolas até suas casas no alto das favelas. Pediria pelas mães que sofrem com a morte dos filhos. Gritaria muito, bateria tampas de panelas umas nas outras para fazer muito barulho. Ou mergulharia no mais profundo silêncio do meu ser para que pudesse contar os minutos que me separam da eternidade. No mais, não deixo nada para depois. Celebro o ritual da vida todos os dias: se assim o desejar, tomo o melhor de todos os vinhos numa segunda-feira, na terça me apronto toda para ir ao trabalho, na quarta, danço sozinha ao som da música cigana e degusto a comida dos deuses numa quinta, e na sexta-feira fico sem fazer nada. E assim vou festejando a solidão de viver!

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