sábado, 31 de outubro de 2009

LIVROS QUE FAZEM CHORAR

Há livros que fazem rir...há livros que fazem chorar. Rubem Alves traduz com excelência a beleza do universo da leitura:Livro que faz chorar. Um texto não interpretado permanece vivo para sempre. Uma livreira me contou. Um pai foi à sua livraria e comprou o livro O patinho que não aprendeu a voar, para seu filho. No dia seguinte, voltou muito bravo. "Meu filho chorou ao final do livro. Ainda chora quando se lembra do patinho que não aprendeu a voar. Isso é livro que se dê a uma criança?"Eu compreendo. Ele quer que seu filho só tenha alegrias. Ele quer que os livros que seu filho lê sejam engraçados e façam rir. As crianças não deveriam ler livros que fazem chorar.Mas tristeza não é coisa ruim. A poesia brota da tristeza. Alberto Caeiro escreveu: "Mas eu fico triste como um pôr de sol/Para a nossa imaginação/Quando esfria no fundo da planície/E se sente a noite entrada/Como uma borboleta pela janela/Mas minha tristeza é sossego/Porque é natural e justa/E é o que deve estar na alma..." Escrevi muitas estórias alegres e que fazem rir. Mas as que mais amo são aquelas que fazem chorar.Por que é que o menininho chorou ao ler a estória do patinho que não aprendeu a voar? Porque sentiu aquilo que minha neta sentiu. Ela falou, em meio às lágrimas: "Vovô, eu não consigo ver uma pessoa sofrendo sem sofrer. Quando vejo uma pessoa sofrendo o meu coração fica junto ao coração dela..." Ela e o menininho sentiram compaixão. Seus corações ficaram junto ao coração de alguém ou de algum bichinho que estava sofrendo. Sofreram um sofrimento que não era seu.Como ensinar a compaixão? De que vale conhecimento sem compaixão? Somente o conhecimento com compaixão cria a bondade. E uma sociedade em que não existe a bondade não é digna de que vivamos nela. Como a nossa, em que a bondade foi espremida nos cantos e as ruas se encheram de medo.Gandhi relata que a experiência que mudou o seu coração foi a leitura de um livro. Ele era ainda adolescente. O livro o comoveu tanto que ele queria ser como o herói, nobre e generoso. Esse sentimento o acompanhou pelo resto da vida. Seu coração ficou junto ao coração do herói. E não importava que o herói nunca tivesse existido, que fosse apenas uma ficção literária. Pois é isso que a literatura faz: se desprega da vida real para dar-lhe um sentido.Livros engraçados são bons. O riso tem a função de mostrar que o rei está nu. Mas não conheço nenhum caso de uma pessoa que tenha sido transformada por um livro engraçado. O riso provoca crítica, mas não provoca compaixão.Pensei então que essa poderia ser uma das maneiras de ensinar compaixão: lendo para o aluno ouvir. Mas para que as estórias façam os seus milagres é preciso que o ouvinte seja possuído pelas palavras e levado ao sabor da voz de quem lê a estória.Fiquei então pensando que seria melhor que gastássemos menos tempo com gramática e análise sintática, e mais tempo com a leitura. É na leitura que se aprende a língua. Leitura sem testes de compreensão, sem interpretações, o que é que o autor queria dizer etc. Pura emoção. Um texto não interpretado permanece vivo para sempre, porque permanece como um enigma que nos comove todas as vezes que o lemos. Mas um texto interpretado é um texto esgotado do seu mistério, esquartejado sobre a mesa de anatomia da linguagem.Gostaria de conversar com o pai do menino que chorou ao ler O patinho que não aprendeu a voar. O menino entendeu. Sentiu compaixão. Mas o pai não entendeu. Não chorou. Ou, quem sabe, ele ficou bravo não pelo choro do seu filho mas por ter, ele mesmo, sentido vontade de chorar - mas não chorou de vergonha...
Este texto foi extraido do blog do Gabriel Chalita
http://www.bloggabrielchalita.blog.../
Fonte: Revista Educação

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Hasta Siempre Mercedes Sosa


A primeira vez que ouvi falar em Mercedes Sosa foi em 1976 na Argentina, especificamente em Rosário, na casa de um amigo. A turma de amigos cantava as suas músicas enquanto tomávamos um bom vinho. Lembro-me muito bem de uma canção que ficou marcada em minha memória. “Canción con todos” Canção com todos. Falava da integração de toda América Latina. E foi aí que eu me apaixonei. Comecei a gostar de tudo que Mercedes Sosa representava. Através dela conheci o trabalho de Violeta Parra, Victor Jara, Daniel Viglietti, Quilapaium. Aprofundei-me no conhecimento da literatura argentina e chilena. Julio Cortazar e Pablo Neruda passaram a habitar o meu cotidiano. Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marques, Mario Beneditti, vieram depois me dando a certeza que eu era apenas um rapaz latino americano, como diria Belchior. Em 1980 tínhamos uma revista de cultura chamada Opção. E pela primeira vez Mercedes Sosa veio a Belo Horizonte para um show no Palácio das Artes. No dia seguinte ela me recebeu no Hotel e falamos de tudo um pouco. Esta entrevista não foi publicada porque a revista fechou no terceiro número e a matéria com a Mercedes estava prevista para o quarto numero. Nunca mais a publiquei. Quem sabe agora?
Em 2008 fui vê-la no Chevrolet Hall em Belo Horizonte. “Corazón libre” Emocionei-me muito com a sua garra. Foi tudo Lindo. Neste momento, só relembrando a famosa canção de Violeta Parra que ela imortalizou.

“Gracias a la vida”
Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me dois olhos que, quando os abro
perfeitamente distingo o preto do branco
e no alto céu, o seu fundo estrelado
e nas multidões, o homem que eu amo.

Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o ouvido que, em toda a amplitude,
grava, noite e dia, grilos e canários
martelos, turbinas, latidos, chuviscos
e a voz tão terna do meu bem amado.

Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o som e o abecedário
e, com ele, as palavras com que penso e falo
mãe, amigo, irmão e luz iluminando
a rota da alma de quem estou amando.

Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me a marcha dos meus pés cansados
com eles andei por cidades e charcos,
praias e desertos, montanhas e planícies
pela tua casa, tua rua e teu pátio.

Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o coração que todo se agita
quando vejo o fruto do cérebro humano,
quando vejo o bem tão longe do mal,
quando vejo no fundo do teus olhos claros.

Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o riso e deu-me o pranto
assim eu distingo a felicidade da tristeza,
os dois materiais de que é feito o meu canto
e o canto de todos, que é o meu próprio canto.
Obrigado à Vida
Obrigado à Vida
Obrigado à Vida
lObrigado à Vida

La cigarra nunca morira. Vive y esta candente en nuestros corazones.