quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA


Ontem à noite saímos para ir ao cinema com intenção de assistirmos o musical Mamma Mia! Um musical adaptado do livro da dramaturga britânica Catherine Johnson, baseado nas canções do grupo pop sueco ABBA, compostas por Benny Andersson e Björn Ulvaeus. O enredo é adaptado do filme Buona Sera, Mrs. Campbell, de 1968, estrelado por Gina Lollobrigida. Nós gostamos de musicais. Mas Inês errou de sala de exibição e acabamos vendo Ensaio sobre a cegueira, Dirigido por Fernando Meirelles, com: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Danny Glover, Yusuke Iseya, Yoshino Kimura, Don McKellar, Mitchell Nye, Gael García Bernal, Susan Coyne, Sandra Oh, Maury Chaykin, Mpho Koaho.
Mamma Mia! Que filme, Que soco na boca do estômago! Um filme histórico que ficará na minha memória por muito tempo. Um filme deprimente, romântico, lindo, sensível, sei lá mais o quê. Um filme que contradiz aquele velho ditado: “Em terra de cego quem tem olho é rei”, pois a única personagem não contaminada pela cegueira na história é um exemplo de dedicação extrema, o que nos permite pensar que o ser humano ainda tem salvação.
O que mais me entristece é que nenhum dos meus amigos me indicou este filme, um filme tão bom que eu vou assistir de novo, e já comecei a ler o livro.
Como não sou, nem quero ser, crítico literário e sou apenas um devorador de livros acho que Arthur Nestrovski, na orelha do livro sintetizou muito bem tudo que eu queria dizer, a respeito do Filme e do Livro.
“Um dia normal na cidade. Os carros parados numa esquina esperam o sinal mudar. A luz verde acende-se, mas um dos carros não se move. Em meio às buzinas enfurecidas e à gente que bate nos vidros, percebe-se o movimento da boca do motorista, formando duas palavras: Estou cego.
Assim começa esse romance de José Saramago. A “treva branca” que acomete esse primeiro cego vai se espalhar incontrolavelmente pela cidade e, em breve, uma multidão de cegos precisará aprender a viver de novo, em quarentena. “Só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são.” E, de fato, o que se verá é uma redução da humanidade às necessidades e afetos mais básicos, um progressivo obscurecimento e correspondente iluminação das qualidades e dos terrores do homem. (E das mulheres também, de maneira especial.)
Impressionante, comovedor, este romance é um marco na literatura em língua portuguesa. Ë uma visão das trevas, uma viagem ao inferno, e a história de uma resistência possível à violência de tempos escuros. “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”, diz uma personagem. Com característico controle, José Saramago
— e seu alter ego furtivo, no romance
— luta aqui para combater a inadequação, ou insuficiência das palavras para resgatar o afeto perdido.
Às vésperas do fim do milênio, num período onde imperam, de um lado, a velocidade, a ganância e a abstinência moral e, de outro, a profecia e um misticismo compensatórios, o escritor vem nos lembrar a “responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. Ë um livro, então, sobre a ética, e é um livro também sobre o amor, e sobre a solidariedade. “Parece uma parábola”, comenta alguém no romance; mas sua força, como nas melhores parábolas, vem precisamente do realismo e da descrição, no limite do inominável.
Cada leitor viverá, aqui, uma experiência imaginativa única, no esforço de recuperar a lucidez. “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” A epígrafe resume a empreitada do escritor, como de cada leitor. Não se trata só de reparar no significado das coisas, mas também de proceder à reparação do que foi perdido, ou mutilado — “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”. ”